Conceito
O fabrico da madeira lamelada colada reúne duas técnicas bastante antigas. Como o próprio nome indica, a mesma foi concebida a partir da técnica da colagem aliada à técnica da laminação, ou seja, da reconstituição da madeira a partir de lâminas (neste caso entendido como tábuas).
Chama-se, portanto, “Madeira Lamelada Colada”, reconstituídas a partir de lâminas (tábuas), que são de dimensões relativamente reduzidas se comparadas às dimensões da peça final assim constituída. Essas lâminas, que são unidas por colagem, ficam dispostas de tal maneira que as suas fibras estejam paralelas entre si.
Pelo que se tem conhecimento a sua aplicação concreta teve início no século XIX. O exemplo mais marcante que pode ser citado é o de arcos compostos por lâminas (tábuas) encurvadas e sobrepostas, mantidas unidas por ligações mecânicas. Essa técnica, foi introduzida pelo coronel Emy no final do século passado.
No entanto, a junção das duas técnicas, para dar origem à Madeira Laminada-Colada (MLC) empregue no fabrico de elementos estruturais a serem utilizados na construção civil, só foi possível, com o surgimento de colas de alta resistência. Foi portanto, em 1906, com o aparecimento da cola de caseína (derivada do leite) que o mestre carpinteiro suiço Otto Hetzer teve a idéia de substituir pela cola, as ligações metálicas de braçadeiras e parafusos, utilizadas pelo coronel Emy. Com isso, obteve-se uma secção mais homogênea e sem a ocorrência de deslizamentos entre as lâminas.
Daí para a frente, a MLC evoluiu em paralelo com o progresso ocorrido com as colas, que foram-se tornando cada vez mais eficientes.
No entanto, foi em 1940, com o aparecimento das colas sintéticas que o sistema laminado-colado conheceu o seu grande progresso.
Essa técnica, que de alguma maneira surgiu também da necessidade de utilização da madeira de reflorestamento, basicamente formada por pinus encontrado em abundância em países do hemisfério norte, encontrou nessa madeira de fácil maquinação, a sua grande aliada.
Aplicação
A aplicação da MLC pode ser vista sob as mais variadas formas estruturais. O seu emprego vai desde pequenos passadiços, escadas e abrigos até grandes estruturas concebidas sob as mais variadas formas estéticas. São destinadas a cobrir vãos de até 100 metros sem apoio intermediário. Como exemplo, pode-se citar a obra do Hall de Tours, na França, com 98 metros de vão livre, assim como, o Palais d’Exposition d’Avignon, também na França, que tem mais de 100 metros de vão livre. Uma outra estrutura, também arrojada e onde os projectistas souberam bem explorar estética e plasticamente a aplicação da madeira sob a técnica do lamelado-colado, foi na antiga sede do Parlamento Europeu, em Estrasburgo na França. Uma estrutura em arcos, formando um conjunto semicircular, onde aconteciam as reuniões dos parlamentares representantes dos países da Comunidade Econômica Européia.
Apenas para mostrar o potencial do mercado das estruturas de MLC, verifica-se que só na França, chegou a existir mais de 40 indústrias a trabalhar no fabrico de estruturas de MLC, distribuídas nas diversas regiões do país. Essas indústrias atendem ao mercado francês, mas também exportam para outros países como a Bélgica, Argélia e China...
Opções de uso
A escolha de MLC para as estruturas, pode ser de fundamental importância principalmente quando se trata de estruturas expostas a um meio corrosivo, ou então, quando existir o risco de incêndio.
Primeiramente, porque a madeira devido a sua grande inércia química, não apresenta problema de deterioração quando aplicada em meio corrosivo, logo, torna-se o material ideal e de baixo custo de manutenção.
Por outro lado, quando se trata de construções sujeitas a riscos de incêndio, a utilização da MLC na componente estrutural é a mais aconselhada pois a mesma que é um material de reação inflamável, queima rapidamente a camada superficial da peça e em seguida diminui consideravelmente a velocidade de propagação do fogo para o interior da peça. Isto porque, com a formação de uma camada de carvão nessa parte externa, dificulta o acesso do oxigénio ao seu interior e consequentemente a propagação do fogo perde velocidade. Com isso o núcleo interno que resta da peça, é muitas vezes suficiente para resistir mecanicamente cerca de 30 a 40 minutos. Esse tempo é suficiente para se chegar ao foco e com isso combater o incêndio, proceder o salvamento de pessoas e retirar bens de maior valor. Em resumo, as estruturas de madeira são consideradas de reação inflamável mas que guardam “alta” resistência mecânica mesmo no caso de incêndio.
Em situação contrária, por exemplo, de uma estrutura metálica que é de reação não inflamável mas que perde a sua resistência mecânica rapidamente (em cerca de 10 minutos de incêndio) quando em presença de temperaturas elevadas, ou seja, pouco acima de 500°C perde toda a sua resistência mecânica.
Isto tem levado o corpo de bombeiros e as seguradoras de muitos países a privilegiarem as construções com estruturas de madeira, devido ao seu “comportamento perfeitamente previsível” aquando da acção de um incêndio, ou seja, algumas normas prevêem uma propagação do fogo, em madeiras do tipo coníferas, da ordem de 0,7 mm/minuto, velocidade esta que vai diminuindo na medida em que o fogo se propaga para o interior da peça.
Portanto, com base nas normas de comportamento da madeira ao fogo, já existe em alguns países, a consideração de um maior ou menor risco de incêndio e dependendo da finalidade de ocupação da construção, é prevista uma espessura a mais nas dimensões da secção transversal das peças estruturais de madeira. Com isto, sabe-se que mesmo que a madeira venha a ser queimada em 2 cm, por exemplo, o núcleo restante é suficiente para continuar a resistir mecanicamente o tempo que se quiser estimar. Isto faz com que a madeira tenha comportamento perfeitamente previsível. As coníferas, por exemplo, queimam até 2cm em 30 minutos e 3,5 cm em 60 minutos.
Já em termos de resistência mecânica, sabe-se que em termos de comparação do comportamento mecânico da madeira com outros materiais, para elementos estruturais previstos para a mesma finalidade de uso, como por exemplo, uma viga de madeira e uma de aço, com massa que dê o mesmo peso nas duas, observa-se a mesma capacidade de resistência tanto numa como na outra. Da mesma maneira, se for feita a comparação entre uma viga de madeira e uma de betão, com o mesmo volume, observa-se que as duas possuem o mesmo poder de resistência, sendo que neste caso a de madeira fica aproximadamente cinco vezes mais leve que a de betão. Isto significa economia também nas fundações.
Vantagens
Inicialmente, não se pode esquecer que a MLC é antes de mais nada “madeira”, logo, além das vantagens da estrutura ser em MLC é preciso lembrar das vantagens que estão reunidas na própria madeira, ou seja:
- Excelentes características mecânicas em relação à sua baixa densidade, aproxima-se mesmo de certas ligas leves.
- Baixa condutibilidade térmica.
- Ausência de dilatação térmica.
- Características mecânicas muito pouco alteradas em função da temperatura.
- Variação de dimensão na direcção axial perfeitamente desprezável consuante a variação do teor de humidade.
- Uma grande inércia química.
- Uma grande resistência ao fogo e de um comportamento perfeitamente previsível durante o incêndio.
- Um material que consome apenas a energia solar para sua produção e um mínimo de energia mecânica na fase de desdobro e maquinação das peças.
- Uma grande facilidade de manuseio, maquinação e execução de ligações químicas ou mecânicas, até mesmo com outros materiais de construção.
Conforme mencionado anteriormente, além das vantagens do material, a técnica do lamelado-colado confere ainda às estruturas de madeira, as seguintes características:
- Em comparação com as estruturas de madeiras feitas com peças maciças, os elementos concebidos em MLC exigem um número bem menor de ligações, uma vez que são previstos para grandes dimensões.
- A possibilidade de realizar secções de peças, não limitadas pelas dimensões e geometria do tronco das árvores.
- A possibilidade de fabricar peças de comprimento limitado apenas pelas circunstâncias de transporte.
- A possibilidade de obter peças com raio de curvatura reduzido, variável e até mesmo em planos diferentes.
- A possibilidade de vencer grandes vãos livres.
- A eliminação inicial de defeitos naturais, o que permite uma reconstituição que conduz a uma distribuição aleatória dos defeitos residuais, no interior do produto final.
- A possibilidade de tratamento da madeira, tábua por tábua, em autoclave, o que confere enorme eficiência e garantia que pode chegar até 50 anos contra o ataque de fungo e insectos xilofagos.
- Um ganho nas tensões médias de ruptura e uma redução na dispersão estatística de seus valores.
- Sob o ponto de vista a “normalização permite ainda a atribuição aos elementos estruturais de MLC, de uma resistência mecânica ligeiramente superior às da madeira maciça de qualidade equivalente (cerca de 10%).
- A vantagem do pré-fabrico, o que pode ser traduzido em racionalização da construção e ganho de tempo na montagem e entrega da obra.
- É de uma qualidade estética indiscutível, o que pode ser largamente explorado pelos arquitetos e engenheiros, na composição de um conjunto agradável e perfeitamente integrado ao ambiente.
- A leveza dessas estruturas oferece também maior facilidade de montagem, desmontagem e possibilidade de ampliação. Além disso, o peso morto sendo menor, se comparado com outros materiais, pode significar economia nas fundações.
Escolha da madeira e da cola
É possível colar practicamente todas as madeiras. Entretanto, algumas espécies possuem características físicas e químicas que exigem o emprego de colas especiais ou a modificação das colas normalmente comercializadas para o uso em madeiras.
Normalmente, as espécies mais aconselhadas para o emprego em MLC são as das coníferas e algumas dicotiledôneas, com massa volumétrica entre 0,40 e 0,75 g/cm³. De qualquer maneira, devem ser evitadas as madeiras com alta taxa de resina ou gordura.
Em todo caso, como o processo da MLC é pouco utilizado em determinados paises, é evidente que os estudos devem ser realizados no sentido de se proceder a cada região ou estado, uma investigação botânica, química, física e mecânica para a caracterização das madeiras que se possam adaptar melhor a essa técnica. Devem ter destaque nessa investigação, principalmente as madeiras provenientes de florestas plantadas.
Na maioria dos casos a escolha da cola, entre caseína, resorcina ou uréia-formol, e mais recentemente a melamina, depende mais das condições de uso da estrutura do que do tipo da madeira. Logo, é preciso levar em consideração principalmente o meio em que a estrutura vai estar submetida, ou seja, temperatura e teor de humidade.
Portanto, a escolha da cola está directamente ligada às condições em que a estrutura estará submetida, ou seja, se a mesma vai estar abrigada no interior da edificação ou exposta à variação das condições atmosféricas, como, alternância de sol e chuva. Estes, são factores determinantes na escolha da cola.
Processo de fabrico
A produção de elementos de MLC de alta qualidade, necessita de uma indústria especialmente organizada para tal finalidade. Por outro lado, desde que não sejam muitos os elementos a serem produzidos e que não sejam de grandes dimensões, é também possível a sua composição de forma artesanal.
Tratando-se, no entanto, de um fabrico industrial, três grandes etapas devem ser observadas no processo de fabrico das estruturas MLC.
1ª etapa – A preparação da madeira antes da colagem compreende a recepção. A classificação visual, a eliminação dos grandes defeitos, o armazenamento, a secagem, a união longitudinal entre as tábuas e o armazenamento antes da colagem.
2ª etapa – Essa etapa compreende a aplicação da cola, a composição do elemento, a conformação do elemento sobre um gabarito (também chamado berço) e a aplicação da pressão de colagem.
3ª etapa – É a fase do acabamento que compreende, aplainar lateralmente, recortar as extremidades do elemento estrutural, executar certos furos e encaixes previstos nas ligações e a aplicação final de um preservante ou simplesmente um selador ou verniz.
A classificação inicial deve compreender a verificação da espessura dos anéis de crescimento da madeira, da inclinação das fibras com relação às arestas laterais da tábua e do diâmetro dos nós. A espessura de cada lâmina depende do raio de curvatura a ser empregue, ou seja, quanto maior o raio de curvatura menor é a necessidade de se ter uma lâmina de pequena espessura.
É preciso que as tábuas estejam com um teor de humidade entre 7 e 14%. De qualquer maneira, é importante que não haja uma diferença entre teor de humidade de tábuas adjacentes, de mais de 5% para evitar o surgimento de tensão nas linhas de cola.
Para se conseguir grandes comprimentos, é necessário executar emendas longitudinais entre as tábuas e que sejam extremamente eficientes.
Essas emendas, que na época do surgimento da técnica da MLC eram executadas apenas de topo, sem nenhuma garantia de continuidade, evoluíram para as emendas em diagonal, depois em cunha e atualmente as mais eficientes, que são realizadas por entalhes múltiplos (finger-joints).
A maquinação dos entalhes deve ser feita com uma ferramenta especial, uma fresa, que deve indicar algo em torno de 8 a 10 Kg/cm².
A etapa final de preparação do elemento estrutural, compreende o acabamento. Nesta etapa, a peça é aplainada lateralmente, tem as extremidades recortadas para dar a sua forma final, assim como, são realizados os furos e entalhes necessários para as ligações entre as peças e também entre o elemento de MLC e o apoio.
O aspecto final depende do produto empregue como proteção fungicida e inseticida, assim como, da aplicação de produtos de impregnação decorativa.
Fonte:
Dr. Carlos Alberto Szücs
Professor Titular da UFSC
Departamento. Engenharia Civil/Laboratório de Experimentação em Estruturas